Que Deus O Tenha.
(Víctor Lemes)
Porque eu, como tantos outros, longe do que somos estamos,
Ficamos dispersos, esquecemos o que de nós nos pertencia...
E marcados às nossas testas os três círculos concêntricos estão,
E às palmas de nossas mãos, os três números tão equivocados.

Tão confuso, sempre me encontrei, me perdendo nos caminhos,
Distraindo-me nas futilidades, me confundindo com números.
Pessoas eram mais importantes, que o Sol de cada manhã.
E as cartas que tanto a mim endereçadas, nunca lidas, ignoradas...

Desculpas que me cansei de proferir-lhe, mentiras e ilusões
Que jamais pensaria eu, fôssemos capazes de fazer.
Quando as ruas já eram, cheias de casas, todavia sem saída.
Quando as luzes já não iluminavam o quanto costumavam,

Vi-me ali, onde havia parado há anos, e decidi-me procurar
Por aquelas memórias, que de longe fiquei, em gavetas tranquei.
Encontrei-me diante de lágrimas, que jamais chorei, mágoas
Que a causei, palavras que nunca proferi, abraços que nunca dei.

Tal como qualquer um que venha de um mundo imperfeito,
Que tenha um objetivo não revelado nesta ascensão à ilha
Eterna do Paraíso, eu que nem imagino, e me nego muitas vezes
A pensar que há um significado no existir, escrevo por escrever...

E em escrever, encontro esta caverna, onde de alguma forma,
Eu possa fugir de mim mesmo, pecado este que carrego às costas,
Desde que decorei as rezas, e as regras, e decidi conscientemente
Comer uma ou duas bolachas a mais do que o combinado.

Pela primeira vez, releio estes meus versos, a fim de pontuar-me,
De rogar-me confiança, rogar-me perdão, rogar-me o amor
Que a mim não tenho, que só o calor daquele Sol, me traz
Todos os dias; e pensar neste Sol, faz-me brotar lágrimas de esperança.

Esperança que jamais voltarei a ter, quando longe dela ficar,
Quando as estrelas, e as nuvens fazerem pouco sentido,
E quando só, estiver neste quarto, a ler suas cartas a mim.
Então, quem sabe assim, acorde de manhã, à luz da Lua...

Como explicar algo, que por mim mesmo, não o sinto.
Sei que não posso direcionar-lhe palavra, e lhe dizer
Que te amo, pois mesmo que o faça, eu não sou aquele que sou.
Sou aquele que só está, sou aquele quem tem medo de ser.

Escreveria versos a quem nos deu uma parcela da Luz,
Mas não consigo, ou já o sei, que sabe antes mesmo de conseguir.
Talvez o tenha ignorado numa dessas tardes de pressa,
Mas com sua paciência, veio mostrar-se no dia certo, à tarde.

E com setenta e seis anos, uma camiseta branca e uma bermuda jeans,
Ele me disse que não devia desistir dos meus sonhos, que nem eu
Mesmo sabia que ainda os tinha; e me disse pra rezar por você
Disse-me pra jamais virar as costas pra uma dificuldade.

E com os olhos enormes, por causa das lentes dos óculos de grau,
Disse-me olhando bem aos meus igualmente escondidos por detrás das lentes:
“Adora à sua mãe, assim como adora a Deus, é o que se deve fazer...”
E antes de embarcar no ônibus, deu-me as mãos, e disse: “Que Deus o tenha.”

Eu de certo modo, de certa forma, não entendo os sofrimentos da vida.
Tampouco consigo imaginar o quanto você sofreu, minha mãe.
Mas eu tento, eu tento, tento pensar como um Azul faria,
E talvez esteja certa por dizer que não pertenço a eles...

Escrevi tudo isso, não a fim de apagar minha lousa,
Diante de tudo que lhe causei, que disse e que não fiz.
Escrevo-lhe tudo isso, pela única razão sem razão que há
Em minha mente, escrevo por mero pecado, em apenas, escrever...


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