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Mostrando postagens de junho, 2010
Conforto (Víctor Lemes)  No tempo em que as folhas caíam no outono, Em que a chuva se derramava em todo lugar, Quando os índios não eram animais, E os negros eram tão brancos como os pardos. Quando os sonhos se realizavam a cada segundo, E a cada esquina não se via uma sequer criança, Onde as sombras só apareciam à noite, E a luz irradiava e vinha até da Lua. Em tardes que começavam cedo, Você via saúvas trabalharem nas calçadas, Levando em suas cabeças imensas folhas secas. Invertia os passos procurando evitá-las, Pois mantinham o equilíbrio de um mundo fictício. E desde então tem nos permitido Viver e vivenciar tudo e todos, Sabendo disso, com cacos de espelhos, Bem afiados, fomos furando as veias dos outros, Nos manchamos de sangue, de dor, de covardia, Num mundo repleto de vida nos matamos. Como eu sinto falta daqueles dias, Ah! Que nostalgia de uma vida que nunca vivi.
Borboleta (Víctor Lemes) Sonhei que ia me casar, Mas estava infeliz. Abria a boca para bocejar Não para sorrir. Foi dada uma festa em casa, Uma casa feia, abandonada. Vi uma linda moça na varanda Abraçando o próprio corpo, Se protegendo do frio. Me senti realizado Só de estar ao seu lado, Passei a festa toda A acompanhá-la. Sem mais, acordei atrasado. Meu estado de espírito frustrado. E meu eu cansado Por cansar-se de só sonhar E nada realizar.
7  (Víctor Lemes) Num mundo manchado de sangue, Me vi cheio de um sonho gigante. Diante um espelho me vi os lados, E a sorrir me abri os braços. Se escondendo de quem tudo vê, De que vale o pódio Quando se corre sozinho... Em um destes quadros abstratos Quis me perder por entre os traços. E pude rever-te os olhos, E pude ter-lhe nos braços. Talvez saiba, talvez não, Que já me tens cativado E hoje carrega-me em tua mão.
Animais são inferiores (Víctor Lemes) Essa vaca está a me olhar, seu moço. Pois enfia-lhe uma marretada na cabeça, Afinal, Animais são inferiores. Esta galinha deu tantos pintos machos, seu moço. Pois leve-os para o rolo compressor, nenhum há de botar ovo. Afinal, Animais são inferiores. Essa leitoa já deu de mamar pr'os seus filhotes. Enfia-lhe a faca, despeje seu sangue neste balde. Afinal, Animais são inferiores. É tanto saco de areia pra levar, vai demorar, Seu moço. Pois empilhe tudo neste potro, Afinal, Animais são inferiores. Este cachorro, encontrei por ali, é magro. Pois arraste-o até a mesa, há de dar algum lucro. Afinal, Animais são inferiores. Senhor, estávamos trabalhando por noites nesta vacina, Pois teste-a nestes chimpanzés, e vê no que dá. Afinal, Animais são inferiores. Esta foca estava a dormir agorinha a pouco, Pois dê-lhe uma paulada na cabeça, e pinte a neve. Afinal, Animais são inferiores. Trouxemos uns pretos da África, m
O cúmulo dos cúmulos (Víctor Lemes) Não é minha culpa. Animais são inferiores. Noticiários noticiam só o que é importante. A maldade é motivo de ibope. As novelas dominam a realidade. O homem sempre comeu carne, então não há mal nisso. O homem sempre escravizou o inferior, então não há nada de errado nisso. Sou contra a violência em animais, fui num churrasco domingo passado. Eu não teria coragem de matar um animal, por isso pago pra matarem. Que horror o que fizeram com aquela garota, quanta maldade. Que assassino. Não quero ouvir você falar bobagem. Quanta besteira isso, daqui a pouco não vai nem comer tomate. Aquela coisa branca que flutua no céu é nuvem, pouco me importa. Você viu os chineses? Comem cães, que dó! Eu não comeria meu gatinho, ah... Me vê quinhentos gramas de linguiça calabresa, faz favor. Que eu tenho a ver com isso? Se só eu fizer isso aí, não vai adiantar nada. Vou todo domingo na missa. Fiz promessa. Cuidado, menino! Papai do céu tá de olho em você! Tenha medo D
Movimento (Víctor Lemes) O vento movia as folhas Que flutuavam no ar. Num mesmo lugar Onde nuvens dançavam, Onde das sirenes Os sons se propagavam. Nuvens feito homens de hoje, Correndo apressadas Contra o relógio do céu. Porções de algodão, Cor de chumbo, Ameaçavam sujar o chão. E a mochila pesada, Cor cinza e azul, Levava nas costas. Rosto indignado, Olhos manchados E passos largos. Caminhava feito nuvem, Meio homem, meio bala, Sem ter muita direção. Era no centro da praça. Parou de frente ao rio, E descobriu que havia coração.
Perfil (Víctor Lemes) Um ser incompreendido, por não saber quem sou por dentro. Um Geminiano volúvel, como o ar que muda de direção tal qual o vento. Não, o vento não é a mesma coisa que o ar. O ar sou eu, o vento é de onde eu venho. Um tanto confuso com um mundo sem fim, Um tanto alheio ao mesmo mundo que habito. Um pouco vazio e cheio por dentro, Um pouco poeta, me perdendo em mim. Um vegetariano humano e animal. Sem preconceitos, e sem medos, Sem vergonha de rir da e na cara mesmo, Sem vergonha de chorar sozinho no umbral. Andei ausente, andei sem rumo, Por tanto tempo, tanto vazio. Caí de para-quedas num mundo meu, E minha bússola teima em apontar pro céu....
Abraço (Víctor Lemes) Um abraço que seja, Que sejam dois ou seis, Apenas me dê um sequer, E me sinta, seu corpo junto ao meu. Deixa-me perder-te em meus braços, Deixa o prazer dos hormônios soltos. Em braços, que juntos fiquemos Como se fôssemos perfeitos. Abra esses braços, De peito aberto me receba E aceite-me, como aceita o vento. De braços soltos, me aguarde, Me embrulhe feito presente e Me deixe abraçado nesse embaraço.