Lembranças esquecidas


(Víctor Lemes)

Sentado aqui neste terraço, ouço os bem-te-vis cantarem ao relento. Ouço o som que as copas das árvores fazem ao abraçarem as rajadas de vento. Ouço o trotar das formigas que trabalham sem receber o décimo e terceiro. Neste degrau de madeira antiga vejo-a brincar no gramado.

Dizem por algures que para ser anjo é preciso um par de asas de penas brancas e uma auréola sobre a cabeça. Que é preciso brotar do canto da parede com uma luz dourada às costas. E que precisam vir do céu. A que conheci não tinha asas, mas voava. Não tinha auréola, mas cabelos reluzentes. Pelo menos veio do céu.

Aquele sorriso perfeito, a abrir os braços, deitada feito criança, daquelas que na grama se jogam e estateladas ficam, sem se importar com nada.  Tem vezes que me vejo abraçar-me a ela, e posso sentir o perfume dos incensos de rosas amarelas que vem da sala.
Lágrimas teimam em sair de casa escondidas. Eu sabia desde o começo, mas preferi fingir esquecer.

Daqueles dias só pude me lembrar de quem deixei de ser. Ela nunca me deixou. Como nunca desistiu de voar. Sempre viajou em seu oceano de lembranças azuis. Velejou em seu alto mar, em barquinhos feitos de algodão, em verdadeiras nuvens.

E tem estes dias que encontro um canto para me lançar ao sossego. Sento neste degrau em frente à porta. E fico a viver os dias de outrora. Até que a campainha toca. Levanto-me correndo, feito criança quando sabe que tem coisa boa d’outro lado da porta.

Sempre que dá ela vem me visitar. Sim, ela sempre vem. Porque na verdade ela nunca se foi. E quando ela chega, chega sempre acompanhada. Me pega pela mão e me convida a sair. Aponta ambos os braços aos céus, mira os olhos nos meus e diz “deixe que as ‘estrelas’ te guiem, filho amado.”

- Mas, pai... Estrelas não se mexem!

- Saiba ouvi-las, minha filha. Saiba ouvi-la...

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