Paineiras

(Víctor Lemes)

Voltando do trabalho embarquei em um ônibus, o de sempre. Cumprimentei o motorista, já velho conhecido meu, paguei minha passagem, e fui me sentar em uma das poltronas da janela. Prefiro as das janelas, pois as dos corredor são barulhentas demais. Você fica exposto a qualquer fofoca e conversa do ônibus. Você ouve tudo e a todos. Porém, se sentar nas da janela, seu olhar fixa-se apenas no caminho, e seus sonhos viajam no imenso céu azul. Num piscar de olhos, chega em teu ponto final.
Liguei meu som, encostei a cabeça na poltrona, e tentei relaxar. O motorista já havia dado a partida, e acelerado um pouco, quando de repente o freio foi puxado, e levei um tranco que despertei. Uma mãe e seus três filhos gostariam de embarcar, haviam corrido contra o tempo só para tentarem pegá-lo. Enquanto a mãe pagava as três passagens, porque um dos filhos ainda era bebê, os outros dois correram procurando as melhores poltronas. Sua mãe sentou-se no par de poltronas ao meu lado, e mandou-os sentar nas poltronas da minha frente.
Novamente, o ônibus tomou seu rumo, e seguiu em frente sem olhar pra trás. Os meninos da frente deviam ter sete e oito anos, tinham acabado de ganhar de sua mãe o material escolar. Ambos tinham uma sacola idêntica, com uma mochila simples mas bonita. O mais velho ficara muito feliz, dizia:
- Já posso levar minha chuteira e minha camisa aqui, mãe!
E o mais novo, não parava quieto, não sentou um minuto sequer em toda a viagem. Seus olhos maravilhados atravessavam seu reflexo na janela, e via tudo com clareza: os postes, as placas, os carros, os semáforos, os prédios, os pedestres.
Ao sinal vermelho, o motorista teve que parar.
- Pa-i-ne-i...
- Pai-nei-ras... Paineiras!
- Mãe, olha o shopping! Chama "Paineiras"!
- Mas, o que é "paineiras"?
O mais velho deu de ombros. Foi aí que tive meu único contato direto com aquelas criaturinhas famintas por aprendizado.
- Paineira é uma árvore. Vê aquela árvore no centro do shopping? -apontei,- Então, aquela é a paineira.
Sinal verde, continuamos a viagem. Abaixei o volume do meu som, para ficar atento àqueles meninos. em alta velocidade, passamos em frente à represa. O mais novo ficara tão impressionado com aquele "mar", que se debruçou na janela com seus dois braços.
- Mãe! Olha, o mar!
- Mar, mar... - ela ria, - Mar nada, menino! Isso é uma represa.
O ápice do descobrimento foi quando passamos em frente ao chafariz da cidade. Quando ele viu aquela coisa gigante, esguichando água pra todo lado, exclamou:
- Nossa! Olha só, mãe! Sai água do meio! Como será o gosto, mãe?
Paramos. Eles desembarcaram, eu fiquei. Fiquei também com um sorriso estampado na cara, como se houvesse me visto neles. O ônibus continuou avançando, avançando, até que levantei de minha poltrona, caminhei-me até o motorista, e pedi que parasse no próximo ponto. Ele parou. Apertou o botão e a porta se abriu.
Desembarquei. Naquele momento te vi a embarcar também. Olhei para o chão como quem está tímido demais, voltei a olhá-la nos olhos, e, sereno, falei:
- Vá, se precisas ir. Mas não te esqueças o caminho de volta ao porto. Teu navio és para mim o mais bonito. - continuei a caminhar, sentido para casa.
O ônibus acelerou, e sumiu naquela estrada. Meus olhos regaram todo o caminho de volta para casa.

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