Um Brilho Fosco



(Víctor Lemes)


A jovem que se dá o prazer
de machucar o outro,
enquanto na cama os corpos se roçam,
à mesa os olhares não se cruzam,
os lábios beijam sem paixão uns aos outros,
as palavras são meras letras agrupadas
e o amor já não passa de pretexto para novas
histórias de filmes caríssimos.

A infelicidade de estar junto
com a sensação de que cada um
vive em outro mundo.

O sossego de quem já sabe
que, para o outro, ele nada vale.
D'um futuro enlace entre ambos
Nascerá do ventre da dita cuja
a filha mais prematura,
Cujo nome não a justifica
Apenas dá-lhe boas-vindas:
Rotina.

E a frustração de quem pode ver
como é o Deus que ninguém mais
Enxerga ou conhece;
A angústia de quem já viu muitos
Amigos que se foram, e foram
Longe para algum lugar...
E ela ainda está aqui,
não pode ser levada daqui,
Para algum lugar qualquer onde
Lá não haja outra humanidade.

Toda as noites eu me mato
à frente da tela reluzente colorida.
Sou o maior erro da cultura humanoide,
sei tanto e de nada vale meu conhecimento
se nem ao menos utilizo-me dele
pelo menos um pouco.

Tem dias que me perco no meu quarto
Em meio a tanto egoísmo estampado
Nas paredes.

Tem vezes que me olho no espelho
E me envergonho, e anulo meu ego
Fosco.

Fato é: preciso de ajuda.
Não dos outros, mas de mim mesmo.
Pois, sou uma moeda antiga sem valor
Algum no mercado e no sistema atual,
Se estou esparramada ao chão
As pessoas passam, me percebem,
Porém não me guardam.
Não vêm valor em mim.

Sou como o menino do espelho,
Meu outro eu está a vagar como adulto
Em algum lugar.
A passear nas ruas das memórias,
Me observa ainda a brincar
Com as formigas...
E sorri entristecido,
Porque sabe bem
Que aquelas trabalhadoras gentis
Valorizam todo e qualquer detrito
Em seus caminhos.

Elas limpam o chão.

Comentários

  1. Estou impressionada com a riqueza desse teu poema, enfim, de todos os teus que eu já li esse está entre os que eu mais gosto.
    Tu não é uma moeda sem valor! Não mesmo!

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