As portas de vidro

(Víctor Lemes)

Recordo-me de uma casa enorme, com janelas como paredes, que partiam do solo até o teto. Davam a tonalidade de azul misturado com cinza à casa. Não tinha portas com maçanetas; na verdade, as portas eram como as janelas. Soubemos de uma festa, no vizinho. Olhei para o Mestre e esperei se aprovaria. Sim, Ele estava lá!

Mais tarde, estava eu a bisbilhotar algumas coisas em um dos "quartos" (?) cheios de espelhos, quando uma mulher de cabelos curtos e pretos  me avisara que o Mestre desejava me ver. Mais do que depressa, desci as escadas que davam para o "hall de entrada" (?). Enquanto descia, vi surgir no "batente" da porta da principal Ele. E me disse:

- Estou pronto, mal' ak. - e desenhou um sorriso largo em Seu rosto.

A festa, na casa vizinha, era uma zona: a iluminação era pouca, as paredes eram feitas de barro, e o teto era alto, alto. Via-se "garçons" (?) distribuindo pratos fartos para todas as mesas. Os convidados eram todos adultos, homens e mulheres, e vestiam-se como Ele: de mantos cobrindo dos ombros até os calcanhares, lenços coloridos, sandálias nos pés, e nada mais.

Havia muitas mesas cheias de gente, e outras tantas abandonadas, cheias de pratos sujos e talheres usados. Não havia moscas no recinto. Passamos por um corredor, sempre em fila indiana, para que não tropeçássemos uns nos outros. Estávamos acompanhados, éramos eu; Jesus; um homem forte, barbudo, e semi-careca; outro homem, de cabelo enrolado e curto preto, com olhos igualmente negros, mais baixo, e mais quieto; e ainda havia outro homem, mas não me recordo muito de sua fisionomia.
Sentamo-nos em uma das mesas próximas à parede da esquerda. Era uma mesa comprida, daria para três famílias, talvez. Porém, só estavam lá nós cinco. Afastamos os pratos sujos com os talheres mal lavados para o lado, e aguardamos... não sei bem o quê.

De repente, deixam na mesa uma bandeja cheia de comida: reconheço arroz e ervilha, e outros grãos que desconheço. todavia, o "prato" é muito grande, acredito que daria para duas pessoas comerem. Instintivamente, empurrou o prato para frente, dando à entender que aquilo não servia para mim. Nisso o homem semi-careca, educadamente, empurra-o de volta para minha direção e diz, com voz serena:

- Não, Víctor. Este te pertence. Coma.

Não demora muito, outro garçom se aproxima da mesa e deixa outra bandeja. Nesta, pode-se ver "pastéis de carne" (isto foi o que o garçom disse que eram), empilhados; poderia haver uns vinte deles na bandeja. Cada um de nós recebeu um garfo. Aqueles "pastéis" eram como os pastéis que fazemos, mas não fritamos, porém eram crocantes como se houvessem sido fritos. Muito estranho, e diferente.

Jesus pegou seu garfo, olhou para mim divertido, e sorrindo maliciosamente, espetou no primeiro "pastel" da "torre". Automaticamente, peguei meu garfo e capturei o próximo. Mesmo sabendo da informação que havia "carne" dentro daquele pastel, coloquei na boca e experimentei. Na verdade, o pastel não tinha recheio, e era muito difícil de mastigá-lo, por ser muito duro. Não tínhamos facas, então deveríamos mastigar muito antes de engoli-lo.

Estava eu nesse processo de trituração insano, quando de repente, as luzes se enfraqueceram, e na parede à nossa direita foi projetado uma luz azul, como de cinema (?). Todos olharam espantados para a parede, menos o Mestre, que continuava a olhar para seu pastel, tentando cortá-lo sem uma faca. Na parede foi projetado uma sequência de cenas da modernidade. Assisti a cenas de corridas de carros de Formula 1; guerras e mais guerra ao redor do planeta; negros sendo açoitados e torturados; animais sendo degolados; e outras cenas. Todo o "filme" durou cerca de dois minutos.

Ao término, as luzes do recinto voltaram à normalidade, e o povo das mesas entraram em desespero total. Não sabiam o que fora aquilo mostrado a eles na parede, tampouco souberam decifrar que significa. Se entreolhavam confusos, discutiam em voz baixa... o Mestre então levantou-se e convidou-me a segui-lo. Saímos do local da festa, e fomos para fora, onde havia um breve caminho de pedras e gramado que ligava a casa de vidro e onde estávamos. Caminhamos vagarosamente de volta, Ele sempre com seu braço esquerdo ao redor dos meus ombros. Sua mão esquerda tocava levemente meu ombro esquerdo. Éramos amigos. Éramos próximos. A dois ou três passos da porta de entrada, daquela casa de vidro, surgiu minha mãe. Interrompeu nossa caminhada, cumprimentou o Mestre com um leve sorriso, virou-se para mim, e disse:

- Vi, passou das 7:00.
- "Passou das 7:00"? Que queres dizer? - perguntei surpreso.
- Já passou das 7:00. Entra e acorda.

Não entendendo o que queria dizer com aquilo, caminhei e abri a porta. Quando entrei, ouvi um som alto alertando aos meus tímpanos que queria ser ouvido. Era meu despertador do celular. Levanto-me num pulo, jogo a coberta para um lado, olho em meu relógio:
- 8:20.

É, já havia passado das 7:00.

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