Trecho de Domingo III

"- Tu, Jasão, és um anjo...

Apressei-me a negar, ainda que não saiba se fui muito convincente:

- ...Se 'anjo' significa 'mensageiro'... pode ser. O Gabriel a que te referiste, esse, sim, é um verdadeiro anjo. Eu, querida Maria, não sou digno nem de projetar minha sombra sobre ele. Estou aqui para dar testemunho de teu Filho. Um testemunho que 'outros povos' deverão conhecer... Gente de um mundo, de uma morada muito distante... E o Pai, em sua infinita bondade, conferiu-me alguns 'poderes' (muito poucos) que tu talvez tenhas intuído. E assim como foi o Mestre, eu também devo ser respeitoso para 'convosco'. Minha missão é tentar aproximar-me da verdade que cercou Jesus...
- Por quê? - perguntou com uma ingenuidade comovente, fruto de óbvia falta de perspectiva histórica. Tenho de insistir nisso. Hoje, os crentes conhecem uma imagem irreal da Senhora. Naquele momento, nem ela nem nenhum dos seguidores do Nazareno podiam sequer intuir as 'consequências' da encarnação do Mestre. - Tu o viste. Meu filho terminou como um deliquente... A quem podem interessar sua vida, suas palavras? Amanhã apenas será recordado por seus amigos.
Deliberadamente conservei silêncio por alguns segundos. Era evidente que a Senhora, por muito que se esforçasse, não estava em condições de reconhecer a grandiosidade e a divina transcedência do Ser que havia carregado em seu ventre. E quem era eu para violar as limitadas fronteiras de sua inteligência?...

- Sim - repliquei com uma segurança que a desconcertou -, tens razão... em parte. Será recordado por seus amigos. Mas esses 'amigos' se multiplicarão como as flores na primavera...
Aquele verde-erva dos seus olhos, geralmente calmo, agitou-se como um trigal açoitado pelo vento. E a cor se instalou de novo em sua bronzeada tez. Emocionada, pediu detalhes.

- Não é fácil fazer que o compreendas, mas eu sou a prova quanto digo. Eu venho de um 'mundo' remoto para ti. Ali, os povos também receberam a notícia de Jesus de Nazaré. E muitos lhe abiram o coração. Outros, ao contrário, o ignoram e o negam. Eu venho pra 'saber' e para depois 'transmitir'. E o faço para todos. Teu Filho o sabia...

- Oh, Jasão! Então tua morte não será em vão...
Sorri de novo, não sei se de alegria ou emoção.

- Permita-me... Sua vida não será em vão. A morte, a de todos, nunca é em vão. - E erguendo entre meus dedos a caneca de vinho acrescentei -: Observa este vinho. Antes foi o fruto da videira. Assim, como Ele profetizou, seu corpo e sua existência terrenos foram triturados para fornecer a essência: seu espírito, sua palavra, sua mensagem, seu amor... E a fragrância desse 'vinho' chegou até meu remoto 'mundo'. Mas nossa 'sede' é tão grande, querida Senhora, que meus concidadãos me 'enviaram' para transportar o 'vinho' de sua vida e poder degustá-lo. Por isso tu e os teus deveis ajudar este 'comerciante de vinhos'...
Um pranto sereno rebrilhou à luz da candeia. E Maria, agradecida, me aceitou desde o mais profundo de sua nobre alma, agora assomando a uns olhos umedecidos de felicidade. E Deus sabe: aquele abraço invisível me compensou para sempre.

- Que devo fazer, meu querido 'comerciante de vinhos'? - gracejou enxugando as lágrimas.

- Deixa isso nas mãos do Pai... E guarda meu segredo.

Impulsiva como sempre, a Senhora ergueu-se, rodeou a mesa, tomou minha cabeça entre suas mãos e depositou um sonoro e prolongado beijo em minha fronte.

- Deus te abençoe, Jasão."


(Páginas 153, 154. Operação Cavalo de Tróia, 4: Nazareth, / J. J. Benítez; trad. Hermínio Tricca, - São Paulo: ed. Mercuryo, 1990; )

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