Trecho de Domingo IV

"Foi em uma dessas noites da quarta semana em Beit Ids que Jesus retomou a conversa sobre a  nišmah, a alma do ser humano. Ele havia anotado a frase escrita em uma das madeiras de tolas brancas: 'A pérola do sonho'.


Não recordo bem como surgiu a conversa, mas isso é o de menos. Jesus falou em primeiro lugar sobre a beleza dessa criatura que muitos confundem com a centelha. Uma não tem nada a ver com a outra - afirmou -, mas a alma não poderia ser sem a centelha. A  nišmah é filha da mente e da centelha divina e, portanto, duplamente bela. Sua natureza - explicou com dificuldade - não é material, mas também não é cem por cento espiritual.


- Não compreendo, Senhor.


- É lógico. É outras das maravilhas do Pai, às quais vais te acostumando quando passares para o outro lado, como diz teu irmão.


- Nem material nem espiritual.


Jesus assentiu com a cabeça e sorriu, divertido.


- Uma criatura duplamente bela.


- Isso mesmo. A  nišmah és tu. realmente. Ou melhor, serás. Agora, em vida, ela vai se enchendo como uma taça.


- Enchendo-se de quê?


- De todas as suas experiências. Isso a faz crescer. Essa é sua missão: crescer de dentro e para dentro.


- Pensei que a alma estava aqui, na Terra, para ser testada.


- Seria injusto testar um recém-nascido, não acha? Não, mal'ak, a nišmah nasce e vive para atingir a perfeição, mas não aqui. Nesta vida começa sua capacitação. É o princípio sem fim. Ela está destinada à eternidade, recordas? Ela, pouco a pouco, irá descobrindo quem é e qual é seu futuro. Ela intui que foi criada para algo grande: a fusão com Deus, com a centelha. Mas dá-lhe tempo. É conveniente que ela digira as experiências como uma criança, mastigando-as. Mais ainda: convém que não saiba demais.


Olhei para Ele, desconcertado. Ele acrescentou:


- Se ela soubesse tudo, de repente, fugiria. Não sejas impaciente. Tudo está ordenado, e para o bem. Ou melhor, para teu bem.


- Então, o que me aconselhas fazer?


- É bom que saibas que a nišmah é uma criatura real, e que é de tua posse. É o presente do Pai quando te imaginas e apareces. Vive, portanto, e de acordo com o bom-senso. Isso é tudo.


Hesitou alguns segundos e finalmente concluiu:


- Vive o bom e o mau. Vive! É disso que se trata. Esta experiência na carne é única. A nišmah guarda tudo, mas alimenta-a especialmente com a imaginação. Sonha o quanto puderes. Os sonhos são sua fraqueza. Os sonhos a fazem crescer. Em cada sonho se esconde uma pérola, e tu deves encontrá-la.


E recordei o que defendiam os velhos alquimistas: somnia dea missa ('os sonhos são mensagens de Deus').


- A pérola do sonho é o símbolo da nišmah. Imagina o quanto puderes, e ela, a alma, encher-se-á de paz.


E concluiu com uma frase que me acompanhará para sempre:


- Vive mais o que sonhas.


Depois falou da intuição, essa outra forma de alimentar a alma. A intuição, esse 'presente' do Espírito. Mas essa é outra história."




(Páginas 60, 61. Operação Cavalo de Tróia, 9: Caná, / J. J. Benítez; trad. Clene Salles; Sandra Martha Dolinsky, - São Paulo: ed. Planeta, 2011; )

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